Não se trata de mero romantismo, é que cheiros podem se tornar inesquecíveis. Cada pessoa tem o seu predileto; e, junto a ele, somos surpreendidos por uma gama de reminiscências. E basta uma mínima lembrança para que tudo volte: a temperatura do momento, a felicidade ou a tristeza que se sentia, as imagens de quem estava perto, tudo. Aromas podem ser alegres ou tristes. Era muito bom quando se estava em casa, antes do almoço, e se sentia o cheiro de alho e cebola refogando para se fazer um arroz, ou uma carne de panela. Quantos segundos você leva para atravessar o tempo e voltar aos seus 9 anos? Comida não nutre apenas o corpo, também alimenta os sentidos. Posso ainda lembrar do que costumava vestir nesse horário, do que estava fazendo, do nome da empregada.

Mas também tem cheiros de sofrimento que até hoje tenho trauma. Vovó tinha um pé de abacate em casa, e me obrigava a tomar a vitamina da fruta. Era um copo largo e comprido que devia caber uns 500ml. Bebia a pulso, na marra, segurando o vômito. Até hoje, poucas coisas me fazem enjoar tanto, quanto o cheiro de abacate com leite. O cheiro do bolo de cenoura saindo do forno também é para sempre. E se for de tabuleiro, cortado grosseiramente em quadrados, com cobertura de chocolate então... Um detalhe precioso: naquele tempo, por mais que se comesse não se engordava, e em cima da mesa havia sempre um vidro Biotônico Fontoura para abrir o apetite. Que felicidade ter vivenciado a infância na casa de avó!

Os lugares também têm seus cheiros, cada uma muito particular: se for levado, de olhos vendados, para o Pelourinho, saberei na hora que estou em Salvador (a cidade tem perfume de dendê). E se respirar um aroma de cominho misturado ao coentro terei certeza que estou em algum boteco do Recife. Mas poucos cheiros são tão especiais quanto o de uma cozinha em movimento, pois ventre que é, ali se aquecem os materiais da vida.