sábado, 14 de agosto de 2010

CHEIROS

Responda rápido. No âmbito gastronômico, qual dos cinco sentidos humanos é o mais importante? Suponho que você tenha pensado no paladar. É uma resposta racional. Sim, o gosto é digno de apreço, ainda mais se for avaliado de forma sorrateira. Mas em linhas gerais não é tudo. Principalmente nos dias de hoje, no mundo globalizado, em que a ausência de um ingrediente fundamental – o tempo – vem mudando os hábitos alimentares, exigindo rapidez até hora de comer. As pessoas praticamente não percebem o que comem, em pé, diante da televisão, no trabalho, pela rua, comer é um ato quase sempre mecânico. Talvez um antídoto para isso, que a pós-modernidade ainda não tenha privado, seja nossa capacidade de ser transportado pelo cheiro. Esse sim, essencial em uma comida.


Não se trata de mero romantismo, é que cheiros podem se tornar inesquecíveis. Cada pessoa tem o seu predileto; e, junto a ele, somos surpreendidos por uma gama de reminiscências. E basta uma mínima lembrança para que tudo volte: a temperatura do momento, a felicidade ou a tristeza que se sentia, as imagens de quem estava perto, tudo. Aromas podem ser alegres ou tristes. Era muito bom quando se estava em casa, antes do almoço, e se sentia o cheiro de alho e cebola refogando para se fazer um arroz, ou uma carne de panela. Quantos segundos você leva para atravessar o tempo e voltar aos seus 9 anos? Comida não nutre apenas o corpo, também alimenta os sentidos. Posso ainda lembrar do que costumava vestir nesse horário, do que estava fazendo, do nome da empregada.


Lembro quando há muitos anos ia passar as férias na casa de minha avó materna, Eloíza. Ah, casa de vó tem aromas especiais, como o do piso da casa encerada. Bastava chegar para ouvir: “Cuidado para não escorregar”. Que cheiro limpo, honesto, de gente direita. Será que isso ainda existe? O da comida então merece capítulos a parte. O cheiro do café coando, anunciando que o dia começou, o da macaxeira cozinhando, da carne de charque escaldando - quando fritava com cebola, então- do pão quentinho dentro da cestinha. São cheiros absolutamente inesquecíveis, e como a máxima faz supor, me recordo até hoje. Lembro também que em frente a casa dela vendia-se tangerina. E comê-las era uma de minhas diversões da tarde. Aliás, tangerina não, mexerica; aquela pobre, da casca fina, que deixava a mão cheirando durante três dias. Esse é um cheiro muito alegre.


Mas também tem cheiros de sofrimento que até hoje tenho trauma. Vovó tinha um pé de abacate em casa, e me obrigava a tomar a vitamina da fruta. Era um copo largo e comprido que devia caber uns 500ml. Bebia a pulso, na marra, segurando o vômito. Até hoje, poucas coisas me fazem enjoar tanto, quanto o cheiro de abacate com leite. O cheiro do bolo de cenoura saindo do forno também é para sempre. E se for de tabuleiro, cortado grosseiramente em quadrados, com cobertura de chocolate então... Um detalhe precioso: naquele tempo, por mais que se comesse não se engordava, e em cima da mesa havia sempre um vidro Biotônico Fontoura para abrir o apetite. Que felicidade ter vivenciado a infância na casa de avó!

 
E não é só de comida que existem cheiros. Na categoria angustiante têm os de hospital, de sala de cirurgia, de cravo (flor). E existem os aromas ricos: de carro novo, charuto, dólar (a moeda tem um cheiro peculiar). Cheiros afrodisíacos, como o de sexo que fica.Cheiro de paixão ou repúdia, quando sentimos a fragrância do perfume que um antigo amor usava. Por falar nisso, o cheiro do homem/mulher que se ama, depois do amor, é melhor nem lembrar para não desmaiar de saudade.

 
Os lugares também têm seus cheiros, cada uma muito particular: se for levado, de olhos vendados, para o Pelourinho, saberei na hora que estou em Salvador (a cidade tem perfume de dendê). E se respirar um aroma de cominho misturado ao coentro terei certeza que estou em algum boteco do Recife. Mas poucos cheiros são tão especiais quanto o de uma cozinha em movimento, pois ventre que é, ali se aquecem os materiais da vida.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Será que somos mesmo livres?

O que é a liberdade? Será que essa força humana ainda representa a autonomia de um ser humano racional? Acho que não, e chega a ser paradoxal. Em uma época na qual fala-se e defende-se tanto essa palavra, as pessoas parecem estar, cada vez mais, distantes dela. No último post deste blog, fiz uma relação comparativa entre Ivete Sangalo e Claudia Leitte. E em menos de 5 horas obtive mais de 1.300 acessos. Mas o que me assustou não foi isso, foi o baixo nível da repercussão que tive que assistir.


Se a alguém interessa saber, vou lembrar. Isso aqui é um blog. Trata-se, genuínamente, de uma expressão pessoal. Opinião minha, logo, falo sobre o que eu quiser, e como quiser. É uma perspectiva que criei para mim: escrever sobre as coisas que julgo entender da forma que me é conveniente. A palavra ainda é o meu domínio sobre o mundo. E a diversidade das experiências que elaboro por aqui é tão rica para mim, e para alguns leitores, que só posso lamentar que mais pessoas não tenham essa oportunidade. Talvez seja essa falta de perspectivas que gerou um “debate” (e põe aspas nisso) tão inócuo – para não falar dos comentários que recebi aqui e na minha caixa postal (invariavelmente anônimos, claro), que beiravam (quando não ultrapassavam) o limite da cordialidade virtual – uma tentativa pífia de transformar episódio num escândalo.


Ambas cantoras são figuras públicas, portanto, estão sujeitas a este tipo de comentário (piores, até). Não estou aqui imbuído do espírito de causar polêmica, sensacionalismo e que tais, não. Tanto que escrevo sobre os mais variados temas. Escrever é corporificação do meu ofício, e ainda é o que mais gosto de fazer. Sugiro aos fãs de Claudia Leitte que façam como eu, criem um blog e falem o que quiserem, “exttravasem”. Até porque, como diria o escritor George Orwell, “se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”. Se tenho algo a lamentar, é de não ter feito essa crítica antes.

domingo, 8 de agosto de 2010

Sangalo nunca tomou Leitte

Não tem para onde fugir. É lei inexorável da natureza musical: qualquer cantora que apareça será comparada a sua antecessora no mesmo segmento. Foi assim com Bethânia e Gal, Emilinha e Marlene, Simone e Joana, Madonna e Britney, Cássia Eller e Maria Gadú, entre tantas outras. Contudo, em todos os casos citados, a “genérica” sempre se sobressaiu e conseguiu desvincular seu nome da “fórmula original”, criando uma identidade peculiar.



Seguindo essa lógica, quando Ivete Sangalo despontou na Banda Eva, há 17 anos, logo foi comparada a conterrânea axezeira Daniela Mercury. Porém, não precisou de muito tempo para Sangalo fugir dessa armadilha e provar que era muito mais do que a dona do canto da cidade. Não cabe aqui falar de números e conquistas, mas quem tem um pouco de memória pode lembrar do que Ivete significou para Bahia, e para o Brasil, na década de 90. Em 2001, aparecia uma nova banda baiana, Babado Novo, liderada pela São Gonçalense, radicada em Salvador, Claudia Leite (que nessa época grafava seu nome com apenas um “t”). Inevitavelmente, a loirinha estreante logo foi comparada a morena consolidada. “Ela é a imitação de Ivete”, era o que mais se ouvia naquela época. Mas o pior aconteceu, não bastaram 10 anos de carreira para Claudia - hoje Leitte, se desvencilhar desse rótulo, e ainda hoje nos presentear com a máxima “Ela só faz imitar Ivete”.

Acho que não conseguiu exorcizar o encosto por alguns motivos. O primeiro é o mais elementar de todos: deve gostar desse esteriótipo. É como se fosse um certificado de garantia de que sua música vale de alguma coisa. Muito embora se faça de vítima do público e da mídia, Claudia sempre polemiza o assunto, respondendo perguntas a respeito, tocando na sua própria ferida. No final das contas, para ela é bom ser comparada a maior artista brasileira. Ivete, por sua vez, fica na sua, prefere não falar nessa mixórdia musical. Vítima, na verdade, é ela, que tem seu nome comparado ao de Leitte, e nem falo em relação ao que cantam, mas como cantam, já que existe um distância abissal entre o desejo de imitar, passando pela execução, e o resultado da tentativa.




A morena é carismática, espontânea, tem técnica vocal apurada, uma das melhores bandas do país, e um trabalho musical preciso feito com muito cuidado e esmero. A loura, se segura no grito e no corpo de boas proporções, desafina demasiadamente, não marca presença no palco e se esforça para ser engraçada. Se fosse uma nota musical seria dó. Dó, porque em dez anos ainda não achou sua identidade. E aí está o segundo motivo que justificaria a sombra Sangalo na vida de Claudia: a ausência de personalidade. Começou fazendo a linha “menininha-vestida-de-rosa” feminista, um protótipo pink imaturo de Simone de Beauvoir. Depois, ainda no Babado Novo, passou a protagonizar a garota crescida ingênua e alegre. Já na carreira solo, incorporou a fêmea fatal, a Lilith contemporânea, muito embora, fora dos palcos, faça a linha cristã. Na sua atual fase, tenta, desastrosamente, incorporar as divas pop com sotaque tupiniquim. Um misto de Lady Gaga, Ke$ha e Christina Aguilera.
 Longe de mim querer desmerecer o talento da loura “famo$a”. Até porque uma pessoa que se presta a subir no palco e consegue animar multidões tem que ter seu valor reconhecido. Mas como animadora. Cantora é muito mais em baixo, ou melhor, muito mais em cima.






***Caros leitores, por se tratar de um blog, as ideias aqui contidas expressam uma visão pessoal deste que vos escreve. A  liberdade com a qual escrevo é a mesma que vocês possuem, podendo concordar ou não.

sábado, 8 de maio de 2010

Quando o algodão é doce

Na última sexta-feira (7),  vazou uma foto, no mínimo, suspeita dos jogadores Zlatan Ibrahimovic e Gerard Piqué, ambos do time catalão Barcelona. A imagem que sugere um romance, nesse caso, homossexual, casou polêmica em todo o mundo. Primeiro por se tratar de dois jogadores de futebol, uma profissão que denota masculinidade acentuada, corroborada com o fato de vestirem a camisa de um clube de tradição e respeito mundial, como o Barcelona.

Se a foto mostrasse o atacante Richarlyson com o também centrovante Ciro, dos times do São Paulo e Sport Recife, respectivamente, nesse clima de passione, a imagem serviria apenas como uma constatação da homossexualidade de ambos. E não seria passível do tipo da dúvida “Mas será que é flerte, mesmo?”. Oras, é. Eu não imagino qualquer heterossexual, com atestado, fazendo tal cena com outro semelhante de gênero. Posso estar sendo preconceituoso, ou caindo no senso comum. Mas se essa foto representa um gesto de carícias (não carinho) entre dois homens, o que mais poderia ser?

Para mim é tão revelador quando um homem diz que tá namorando uma “pessoa”, ou que vai sair com um “cara”. Sei que estamos no século 21, período de mudanças comportamentais e culturais. Mas creio que ainda não chegamos ao ponto de um heterossexual dizer “pessoa”, no lugar de namorada, guria, gata, nêga, mulher, mina, entre tantas. Ou então “cara”, no lugar de amigo, parceiro, brother ou chegado. Soa tão representativo de ato pederástico quanto ao ilícito de um vendedor gritando “Olha o sucesso” nas areias de Boa Viagem.

E não para por aí, a lista de verbetes denunciativos é grande. Vamos confessar que fabuloso, formidável, divino, encantador, aprazível e maravilhoso soam de forma estranha na boca de alguns homens. E o que desperta essa sensação em mim, não é só a palavra, mas o ritmo com a qual ela é falada. Demorar três segundos para falar MA-RA-VI-LHO-SO é um manta gay. Sei que isso tudo é muito maior do que uma simples observação sem espessura. Pode ser uma questão de refinamento e variedade vocabular. Repito que estou sujeito a preconceito ou desatualização. Mas tenho minhas convicções. E esses algodões são doces, sim.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O que é um cafuçu?

Cafuçu. Neologismo criado neste corrente século para designar alguns exemplares rústicos de homens. E seguiu o inevitável destino de toda palavra nova, caiu na banalização. Como resultado, cafuçu passou a ser qualquer um, só depende de quem chama. O que é uma injustiça, justiça seja feita. Tem gente que fala e não sabe nem do que se trata. Embarca no modismo engraçado da expressão e tome adjetivação cafuçônica.

É injusto porque cafuçu tem um valor que passa longe da trivialidade. Com grande disposição e competência sexual, é um tipo sociológico de grande utilidade pública. Rígidos com palavras e doces como amantes, não costumam deixar mulheres carente na mão - literalmente. A corrente de prata (?) no pescoço, logo estabelece o filo dessa espécie masculina. Uma liturgia de consagração. Se ficar na dúvida, dá para arrematar a certeza observando outras peças na indumentária: bermuda estampada ou jeans (desbotada), camiseta regata, sapato coyote, Ray-ban aviador made in Dantas Barreto. Seja usado tudo junto ou separado. Cafuçu de verdade não tem pudor.

De aspecto físico, bigode afinado, cabelo com algum efeito de (bom) gosto duvidoso e um corpo bem trabalhado. Fruto de um trabalho muscular de todo santo dia, o físico arremata suspiros. Sarado é redundância, é algo próximo a malicioso. O braço então, é chave de prisão perpétua, sem direito a banho de sol. O membro superior também é o responsável em tirar a carteira e o celular e colocar em cima da mesa do bar. Dono hábitos rudes e de refinamento algum, no ônibus, por exemplo, não se intimida em ouvir suas músicas em um volume coletivo. No bufê de festas, é o primeiro a descobrir a porta entre a cozinha e o salão, e oferece propina ao garçon em troca de um "atendimento especial".

Existem em todas as profissões, acredite. Muito embora, em alguns ofícios é barbada encontrá-los: motoboy, jogadores de futebol, entregadores em geral, garçons, caixas de supermercados, policiais, bombeiros, instrutores de auto-escola, músicos de banda... a lista é longa. Em linhas gerais, é o trabalhador braçal, que sabe trocar uma lâmpada, um botijão de gás, pintar uma parede. “Um homem não para conversar, mas para levar para a cama e resolver seus problemas”, simplifica uma amiga. Já uma outra, profunda conhecedora da alma humana, também tenta definir. “Cafuçu é aquele sujeito que não tem muito requinte intelectual nem disposição financeira. Tampouco liga para moda. Mas que te leva no forró e te faz sentir mulher”.

Alguém já disse que a humanidade se divide entre os que usam e não usam guarda-chuva. Eu vou além, acho que, na verdade, as pessoas se distinguem quando assumem que gostam de um cafuçú e quando mentem. Afinal de contas, cafuçu é irresistível porque põe a boca em tudo.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Em cima do salto e de frente para o pênis

A analogia é inevitável. Trata-se de duas fontes de poder aparentes. Atire o primeiro Loubotin quem nunca se rendeu, mesmo que psicologicamente, a um belo par de salto alto ou a um pênis bem dotado. A despeito das óbvias diferenças funcionais que eles possuem, são vários os pontos em comuns entre esses dois objetos de desejo. De um lado, o salto alto representa uma espécie de ereção feminina, o pau duro das mulheres, no qual ela se auto-afirma. O tamanho da altura de seu pisante tem valor parelho aos centímetros do pênis para o sexo masculino. Quanto maior, mais sublime.



Mas nada de ilusões. Um bom salto, também pode ser um ótimo truque. Mulheres que experimentam pedir um aumento para o chefe ou terminar um namoro usando um salto alto, comumente saem por cima, e com o retorno positivo. Uns centímetros a mais nos pés e como num passe de mágica, o poder impera sob você. Ou você acredita no poder de uma travesti na esquina usando uma havaianas? Os saltos podem até incomodar, lesionar a coluna e problemas nessa ordem, mas que dão outra moral, isso é fato inexorável. É o viagra feminino, jamais deixa as damas na mão. Elas, com o salto, tentam escondem inseguranças, medos, anseios. Eles, com seus dotes em riste, facilitado pelo “azulzinho”, passam a ideia de viris e másculos.






Já reparou que as atrizes pornôs nunca, eu disse nunca, tiram o salto enquanto transam? Ela pode ter milhões de celulites, estrias e marcas de vacina. Mas mesmo em cima da cama tubular, ou da cadeira de plástico branca do sítio, enquanto estiverem de salto ninguém ousa em desmitificá-las. Com os atores o mesmo. As costas podem estar cravejadas de brotoejas e o português em falta, mas que importância tem isso perto de um pau grande e ereto?


E as semelhanças não param por aí. Estamos falando de duas coisas com as quais mulheres (de verdade) não vivem sem. Tá, ok. De vez em quando até vale a pena se render a uma “rasteirinha”. Te leva a qualquer lugar, mas, convenhamos, sem glamour algum. O pênis, por sua vez, encanta pelo seu tamanho. Pode ser que não funcione, mas é um fetiche. Sabemos que o volume ilude, nunca se sabe ao certo o que tem ali por dentro da cueca. Testículos enganam. É uma meia-pata, um salto do tipo Anabela. Confesse, um pinto grande cria uma atmosfera de fetiche, assim como um salto alto. E estou falando de algo muito mais ligado ao fator psicológico do que para o prazer físico. Salto alto incomoda. Pau grande também.






No capítulo auto-afirmação e segurança a regra também se aplica: o tamanho do salto é tão importante pra mulher como o do pau para o homem. Na balada, eles até negam, mas olham sim para o pinto do semelhante de gênero de mictório. No toalete feminino, o mulherio também observa os modelos nos pés das outras acima de qualquer outra coisa. Tamanha preocupação é esteira para uma expectativa. Ninguém espera pouca coisa de uma mulher sobre seu scarpin salto 15. Uma eventualidade dessas pode significar até homicídio. Um boy com um membro que ultrapasse os 22 centímetros também é alvo de grandes pretensões. Uma coisa “dar duas” sem nem tirar de dentro. Nessa história toda, o que vale a pena zelar é pela estética. Afinal de contas, nem todo salto alto é bonito, e nem todo pintão é para se admirar.